Paul Otlet foi um dos primeiros cientistas a publicar um trabalho sistematizado sobre Ciência da Informação e, sobretudo, Documentação (à sua época chamado de Bibliologia e, posteriormente, Documentação). Em sua obra chamada Traité de Documentation, lançada em 1934, ele demonstrou pensamentos e conceitos bastante avançados para sua época, como o Princípio da Monografia e o conceito da Rede de Conhecimento Universal, que, segundo o que ele apresentou, seria algo bastante similar ao modelo de internet que usamos nos dias de hoje.
Quando começa a falar a respeito do Princípio da Monografia, começa dizendo que “cada elemento intelectual de um livro é incorporado num elemento material correspondente”. Transpondo “elemento intelectual” como informação e “elemento material” como suporte, temos uma grande semelhança com um dos conceitos mais fundamentais da Arquivologia: o conceito de documento, vulgarmente conhecido como informação+suporte.
Outra aproximação com a arquivologia é o que ele define como objeto de estudo: o livro em sentido amplo que engloba, além do livro propriamente dito, o telégrafo, telefone, rádio, televisão, cinema, e discos. Apesar de discorrer a todo o momento como livro, deve-se ter em mente que ele considera também a existência dessas mídias. Todavia, a maioria dos procedimentos que ele apresenta são inaplicáveis aos documentos iconográficos, cabendo basicamente aos livros em sentido restrito.
Além do mais, ele trata as novas mídias como simples substitutas dos livros. Dessa forma, não se considera o potencial informacional de mídias que armazenam imagens em movimento, que podem ser mais ricas que mídias que suportam apenas imagens estáticas. Reduzir o Cinema a simples substituto dos livros é, de certa forma, um desprezo com uma linguagem totalmente distinta, que pode gerar documentos de grande peculiaridade e tão valorosos quanto os tradicionais documentos em suporte papel. Entretanto, Otlet acerta em cheio quando estuda a sistematização da organização da informação. Ele foi responsável pela criação da CDU, ferramenta ainda usada para a classificação de livros e que serviu de base para elaboração dos códigos de classificação de documentos arquivísticos.
A Ciência da Informação em geral ignoram o valor das informações acumuladas de forma orgânica contida nos documentos de arquivo. A análise informacional costuma ficar a título de informação cultural, construção do conhecimento, tratamento sistemático de dados, geração de nova informação a partir da junção de informações, entre outras. Todas estas atividades podem ser contempladas nas atividades arquivísticas, mas a teoria não contempla conceitos preponderantes aos arquivos, como informação estratégica e memória pessoal e/ou institucional tendo por base os documentos. Mesmo sem citar claramente o universo arquivístico, as seguintes citações de Paul Otlet são perfeitamente aplicáveis à Arquivologia:
No plano da aplicação técnica “deve utilizar regras que englobem todo o ciclo de vida do documento” e “interpreta-se a documentação como uma “ciência” que organiza os documentos, encarados como materializações da ação da inteligência humana sobre a realidade. Compete à documentação estabelecer métodos para a seleção e o tratamento dos “dados intelectuais” encaixando-os no “quadro sistemático das ciências” (OTLET, 1934, p.25) para que possam ser acessados. Em outras palavras, à documentação compete tratar o conteúdo dos documentos, a informação.
sendo claramente possível que esta informação supracitada seja a informação arquivística.
Porém, como seria possível aplicar o tratamento técnico instituído por Paul Otlet aos documentos de arquivo em suportes magnéticos? Sua Rede de Informações seria capaz de comportar documentos deste tipo. É bem verdade que, à época, era impossível pensar numa estrutura que desse a possibilidade de um pesquisador ter acesso a um documento filmográfico individualmente, durante sua pesquisa. Mas sua rede de informação claramente contemplava apenas documentos textuais.
Levando-se em consideração que os documentos de arquivos são documentos acumulados no decorrer das atividades de uma pessoa (seja ela física ou jurídica) e podem estar registrados nos mais variados suportes, o arquivo pessoal de um cineasta seria impossível de ser abarcado pelas teorias de Otlet. O contexto de produção destes documentos se torna primordial para a organização e representação mais adequada destes documentos. Cabe aos Arquivistas delimitar as fronteiras entre a Arquivologia e Ciência da Informação, adaptando conceitos quando necessário e buscando criar novos que correspondam à realidade arquivística.
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