O Cinema como Arte Técnica
"O cinema foi a mais técnica das artes. Ainda hoje a sua aprendizagem e a sua apreciação são determinadas pela sua condição de arte técnica.
As potencialidades da técnica cinematográfica, nos seus múltiplos elementos, não cessaram de seduzir cineastas. Entre a magia e a obsessão, podemos verificar, umas vezes, um enorme fascínio, outras, uma quase intimidade entre o homem-cineasta e a máquina-cinema. Não se trata apenas de truques e efeitos – trata-se, muitas vezes, de apresentar o invisível, de uma profissão de fé no cinema enquanto dispositivo de mediação das ideias e do mundo.
Atentemos no exacerbamento destas palavras de Epstein, quando ao falar do cinematógrafo se refere a “um olho dotado de propriedades analíticas inumanas”. Através da câmara de cinema, é todo um olhar renovado, de alguma forma até purgado, que se oferece ao cineasta e, em consequência, ao espectador. O olho da câmara vê diferente do olho humano. Em certa medida, revê a visão humana, as suas rotinas e convenções.
Este novo olhar é o fundamento do cinema puro e esta pureza fundamental é, intrinsecamente, de índole técnica, o que dispensa ou desafia toda uma tradição: “É um olho sem preconceitos, sem moral, alheio a influências, que vê nos rostos e nos movimentos humanos traços que nós, carregados de antipatia e de simpatia, de hábitos e de reflexões, já não sabemos ver” (Epstein, 137). O cinematógrafo transporta então um conhecimento – uma epistemologia – renovado. Na objetiva cinematográfica vê Epstein uma “força analítica” que constitui uma das suas “propriedades originais”. Esta propensão para a análise manifesta se no “muito subtil olhar do vidro” (Epstein, 137). Em certa medida é, também, a esta subtileza analítica que Epstein se refere quando fala de um olhar que se dirige ao “terrível oculto das coisas” (in Xavier, 287). O cinematógrafo seria então um dispositivo de desocultação. O que está escondido pode ser revelado através do cinematógrafo. Sabemos hoje o quanto isso é verdade, em diversas instâncias e níveis de complexidade e engenho: das ficções aos documentários, dos efeitos especiais aos truques digitais, do som direto à luz natural, do green screen à animação".
Luís Nogueira, pags. 31 a 47
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