Os Cineastas e a sua Arte - Parte IX

Necessidade de uma Linguagem

"A hipótese de uma linguagem pode ser um bom ângulo de estudo do cinema. Outro pode ser a necessidade de uma linguagem cinematográfica. “É preciso ver”, dizia-nos Louis Delluc. Podemos acrescentar: é preciso saber ver. E para saber ver, parece-nos que uma linguagem estável pode ser um importante auxílio, uma linguagem que nos diga o que se pode e o que não se pode ou mesmo o que se deve e o que não se deve fazer. Mesmo que sejam normas, regras, ensinamentos ou métodos para quebrar ou romper. Se tantos falaram, uma e outra vez, sobre a linguagem cinematográfica é porque ela conterá alguma espécie de utilidade."

Elementos de uma Linguagem

"Tomemo-la como uma hipótese ou como uma necessidade, precisamos sempre de identificar os elementos de uma linguagem. Esses elementos, e as regras que orientam ou determinam as suas relações, associações, conjugações, oposições, não são, no cinema, fáceis de delimitar. Não é possível a inventariação e descrição exaustiva própria dos dicionários e das enciclopédias. Sabe-se que no cinema se lida, essencialmente, com imagens e sons. Mas porque questões de luz, de escala, de ordem, de duração, de corte, de ausência, se vêm imiscuir na organização do saber cinematográfico, a possibilidade de uma gramática ou de uma sintaxe ou de uma retórica ou de uma estilística ou de uma semiótica encontra-se sempre no limiar da ineficiência – precisamente porque falta uma grelha onde guardar cada categoria: planos, cenas, sequências, movimentos, raccords, e demais elementos. A fotogenia, a montagem, o movimento e o tempo tornaram-se, ao longo da história do cinema, elementos de uma quadratura em torno da qual, de um ou de outro modo, se ancorou a reflexão sobre o cinema. Daí que os tomemos aqui como material privilegiado de uma eventual linguagem cinematográfica.
Comecemos pelas faculdades animistas que Delluc vislumbrava na fotogenia. Ao falar da “fotogenia das coisas”, este autor exclamava: “as coisas mortas da natureza e os objetos sem vida criados pelo homem – como tudo isso vive!” (Delluc, 274).
Pudovkin falou da montagem como “o processo principal do cinema” (in Xavier, 69). Eisentein falou de “concepções de montagem que pretendiam suplantar todos os outros elementos de expressão do cinema” (Eisenstein, 17).
“O meio de que dispõe o cinema para produzir uma impressão artística reside na composição, no encadeamento dos fragmentos filmados. Dito de outro modo, para produzir uma impressão, o importante não é tanto o conteúdo de cada fragmento mas o modo como eles se encadeiam, como se combinam. A essência do cinema deve ser procurada não dentro dos limites dos fragmentos filmados, mas no encadeamento desses mesmos fragmentos” (Kuleshov, 41). Daqui se adivinha o corolário lógico: “a essência do cinema, o meio que lhe permite obter uma impressão artística, é a montagem” (Kuleshov, 42).
O movimento e o tempo são outros dois elementos decisivos do discurso cinematográfico. De Eisentein a Hitchcock, de Tarkovski a Leone, cada um à sua maneira trabalhou estas matérias. Ritmo, tempo, movimento – desde o início que os cineastas perceberam que para dominarem a arte cinematográfica teriam de passar por uma compreensão destes elementos."

Luís Nogueira, pags. 51 a 76

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