Os CIneastas e a sua Arte - Parte XI

Atitudes

"O realismo pode ser visto como uma doutrina ou como um estilo, como uma sensação ou como uma atitude – aliás, uma das muitas atitudes possíveis perante o cinema que os seus praticantes foram assumindo ao longo do tempo. Sobre algumas delas falaremos aqui. Começamos pela política e a sua relação com o cinema através dos seus cineastas. Dizia Godard que não se impõe a realização de filmes políticos, mas a necessidade de fazer política com os filmes. Apesar da minúcia semântica que se possa detectar neste aforismo, a relação entre cinema e política atravessa o pensamento e a obra de inúmeros cineastas, muitos deles seguramente não dos mais indiferentes na história do cinema. O cinema nunca se inibiu de tratar ou intervir nos grandes acontecimentos que decorrem paralelamente à sua existência, dos conflitos mundiais às convulsões sociais, dos movimentos de libertação às operações despóticas. Onde a política entra na ordem temática, o bem e o mal não são dispensáveis: de um lado e do outro podemos encontrar notáveis autores.
Surge-nos a religião como pano de fundo de uma atitude perante o cinema. Uma e outra vez ouvimos falar acerca do cinema num tom de profunda reverência. A comunhão (na sala escura de cinema, com os demais fieis), a idolatria (de vedetas, celebridades, gênios), o ritual (da peregrinação, da exegese) são algumas das metáforas que refletem ou aproximam o cinema e a religião.
Mística ou materialista, em certo sentido a criação como atitude de um autor perante o cinema acaba por coincidir com a sua teoria da arte fílmica. É este posicionamento, esta forma de estar, esta maneira de fazer, este modo de imaginar que acaba por se revelar imprescindível quando pretendemos entender o seu trabalho, compreender o seu pensamento e a sua sensibilidade artística."

Métodos

"Como sucede com todas as artes, também no cinema, aos cineastas, não é fácil encontrar o equilíbrio, no processo criativo, entre o sentimento e o método. Aliás, a questão do método torna-se eventualmente mais decisiva no cinema do que nas outras artes por duas ordens de razões que se imbricam: por um lado, o fato de se tratar de um processo de produção muito dispendioso, por outro, por ser um trabalho coletivo. O método no cinema assentou, então, desde cedo, numa lógica de estúdio e de otimização dos recursos que tomou da linha de produção fordista e industrial as suas premissas essenciais. Ainda assim, ao longo da história do cinema, gêneros como o documentário, o experimental ou a animação desenharam uma linha alternativa de produção, assente no trabalho pessoal, artesanal, intimista, e alheio à exigência mecânica e padronizada do industrialismo. De um lado, o planejamento, do outro o improviso: entre estes dois princípios se jogaram muitas das questões estéticas, éticas e teóricas fundamentais da história do cinema. Pela nossa parte, tomamos aqui a questão do método numa amplitude muito abrangente – que pode não se ficar pela organização do trabalho, mas eventualmente chegar à sua negação; não passar apenas pelos procedimentos, mas eventualmente pela sua recusa; não apenas pela certeza, mas pela aventura. Em alguns casos quase podemos escutar um tom doutrinário, noutros, uma mera observação de senso comum. Nuns casos uma teoria que supera a prática, noutros uma prática que contraria a teoria."

Luís Nogueira, pags. 92 a 130

0 comentários:

Postar um comentário